Q: Pode contar a história por detrás do seu negócio?
“À data de 1962, eu era funcionário da Ourivesaria Meruje. Nessa altura, constituímos uma sociedade destinada à exploração do ramo da ótica. Passados 10 anos, dissolvemos a sociedade e eu fiquei com todos os ativos e passivos. Antigamente era Meruje & Companhia e depois passei a laborar em nome individual: João Fernando Martins Pereira. A partir daí, o negócio desenvolveu-se em várias vertentes, tendo primeiro começado pela ótica e ourivesaria e depois apenas ótica.
A primeira morada foi na Rua Conselheiro António Pedroso Santos e depois na Rua Ruy Faleiro, dois ou três anos até, possivelmente, 1968. Daí em diante, passou para o centro histórico ao pé do Solneve até há cerca de 20 anos atrás, quando fizemos este prédio. E aqui estamos.
Também temos um estabelecimento na parte de baixo, na Avenida da Anil, que tem o intuito de dar assistência aos meus clientes que não podem vir cá a acima ao Pelourinho. Mantenho essa loja aberta há 11 anos e é tudo em propriedades minhas, portanto não tenho alugueres.”
Q: Qual foi o percurso profissional que o levou até aqui?
“Em 1959, especializei-me em ótica na cidade de Lisboa. Desde então, tenho frequentado imensos cursos de atualização de ótica. Fiz o curso de Técnico de Ótica Ocular através da Associação Nacional dos Ópticos em 1978/79, no então Instituto Politécnico da Covilhã. Depois fiz o curso de Optometria na Escola Portuguesa de Óptica Ocular, em Lisboa. Foi um curso de 4 anos.
A minha atividade também se desenvolve além do meu trabalho na ótica. Envolve simpósios, congressos, desde Estados Unidos, França e Bélgica, nomeadamente ligado à parte das lentes de contacto, como cursos técnicos.”
Q: Quais foram os obstáculos ultrapassados que hoje definem a resiliência do seu negócio?
“Os obstáculos foram imensos. No início, haviam três óticas na Covilhã. Dessas três óticas, duas delas já eram muito antigas e foi muito difícil de singrar por intermédio delas, mas valeu-nos a preparação que já trazíamos, tanto na parte técnica como na parte humana. Hoje em dia, o negócio é mais complicado porque a população não aumentou. Acho que, pelo contrário, diminuiu.
A Covilhã tinha, na altura, uma grande indústria. Esta era a cidade Manchester, cheia de indústrias de lanifícios, que finalizou nos anos de 1975/76 após a Revolução de 25 de Abril de 1974. O comércio tornou-se muito difícil. Contudo, aproximou-se uma época que, para nós, foi a época dourada. Falo da época da imigração.
Apesar da inflação tremenda, havia dinheiro, os imigrantes vinham e gastavam esse dinheiro em tudo. Por isso foi a época dourada para o comércio. A partir daí, fizemos uma boa passagem na vida.
Hoje há outros obstáculos. Em vez de duas/três óticas como existiam no passado, estão dezasseis ou dezassete para uma população menor e com menos recursos económicos. Portanto, é muito difícil ter sucesso.”
Q: O seu comércio criou raízes na Covilhã. Quais são os pontos altos de estar a trabalhar nesta cidade?
“Bom, eu sou covilhanense. Não me sentia bem em estar em qualquer lado. Eu estive vários anos em Lisboa e não me sentia bem. A minha terra é a minha terra. Obviamente que fui tratado gentilmente por todos os meus conterrâneos e como singrei aqui, por aqui em princípio vou ficar.
O meu comércio têm, efetivamente, 61 anos de vida, sendo que a minha atividade de comércio já é pouca e é mais na questão de orientação. Eu espero que os meus seguidores consigam levar isto à frente durante mais uns anos, pelo menos.”
Q: Tendo em consideração os diversos desafios e dificuldades que o comércio tradicional e local enfrenta na atualidade, quais são as suas perspetivas para o futuro?
“O futuro é muito difícil de prever. Está condicionado ao que os grandes investidores nos impõem. O comércio tradicional está em grande baixa, nomeadamente no centro, mas também nos arrabaldes. Portanto, nas partes baixas o comércio tradicional, o comércio de rua, também não tem muitas hipóteses. As grandes firmas levantam-nos problemas tremendos, em particular problemas a nível económico.
Tudo vai depender da maneira em que consigamos alojar esse tal futuro, para que o negócio se consiga novamente viabilizar. Um negócio que se faz hoje não é igual a um que se fazia há uns anos atrás. Hoje as publicidades são tremendas e os grandes espaços, as grandes empresas/grupos têm poderes económicos que nós não temos para puderem singrar.”